Monday, 7 February 2011

Diante do epitáfio

A primavera finalmente chegara na Europa. Lembrei-me de Praga e de sua tão comentada primavera. Recordei-me daquele (mais outro) refém da modernidade que, para mim, fora apresentado pelo estimado amigo, o homem que ficou vesgo, quando conversávamos sobre o temível ‘’sistema’’. Aquele sujeito, depois de ser-me apresentado, compartilhou, comigo, noites mal dormidas ou, como ele dizia, sonhos intranquilos.

Suas incompreensões – por mais difícil que seja imaginar! – eu parecia compreender. Ríamos, sofríamos. Sabíamos, também, mesmo que às vezes discordássemos, que a modernidade, de quando em quando, poderia ser considerada uma religião. A burocracia – apesar de não ser divina – era a mesma: Ao invés de papas ou pastores, políticos e politiqueiros; ao invés da sagrada escritura, códigos e leis. Não tinha Deuses ou Deus, e sim juízes e funcionários com altos cargos. As preces também inexistiam. Foram substituídas pelos intermináveis processos. E como nas outras religiões, nunca se chegava a falar com Ele propriamente dito, apenas com transeuntes, sujeitos transitórios, intermediários, nem sempre confiáveis.

E ele, sujeito introspectivo, corcunda, individual, alegórico-não-mítico faleceu. Dizem que foi a tuberculose. Outros especulam que sua morte se deveu a outro tipo de infortúnio. Não se soube explicar. De qualquer modo, deixou, como legado, um testamento. Ah, não fossem os papéis... – refletia o homem que ficou vesgo. E nele, no testamento, pediu para que seus escritos fossem queimados.

A primavera finalmente chegara na Europa. Quando chegada essa estação eu me encontrava na Áustria, prestes a visitar o agora falecido amigo tcheco que o homem que ficou vesgo havia me apresentado há três anos.

2011, no cemitério. Diante da lápide descubro que aquele sujeito incompreendido que havia compartilhado noites de insônia comigo falecera no ano de 1924, no dia 3 de junho. Data diferente daquela que eu imaginava – em algum dia de 2009, quando 33 anos eu tinha. No epitáfio, além do seu nome, Franz Kafka, e da data que faleceu, inscreveram os dizeres: Como um cão!

Ri.

Procura-se, pensei, em tudo o que se vê ou não se vê, sentido, mas afinal de contas, nada se compreende.

Não soube se realmente cheguei a conhecer Franz. Apenas ri.

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