Friday 24 August 2012

Trechos de uma vida a dois

          O fato que será descrito é verídico e foi narrado por uma testemunha ocular que pelas circunstâncias atuais - às vésperas das eleições dos municípios - prefere não se identificar. Aconteceu há mais de um ano, abaixo do Trópico de Capricórnio, quando o sol estava prestes a fazer seu sacrifício diário: ajoelhar-se perante à lua. Pela meia dúzia de pessoas que podiam ser vistas caminhando nas ruas, podia-se dizer que fazia frio ou era domingo. Às margens da Av. Beiramar, um casal andava de mão dadas enquanto tantos outros casais desatavam as mãos. Fazia frio e era domingo, antes que o leitor se pergunte qual relevância isso teria na narração dos acontecimentos.

          Um casal andava de mãos dadas, apesar de todas as intempéries do trópico, do sol, do frio e da vida. Entregues à luz solar, eles seguiam o curso natural da vida: nascer, reproduzir e morrer. Exilados do ventre materno, aprenderam a tríplice idéia que lhes fora forçada a engolir junto com as demais refeições diárias e algum óleo de fígado de bacalhau. Andavam com a naturalidade que também foram forçados a aprender. - O que seria da humanidade se não existisse a barbárie? Em meio à todo silêncio, sempre há espaço para alguma pergunta ensurdecedora...

          Sentaram-se. Ambos. Parecia que o mundo acabava ali. Acomodaram-se num banco de madeira meio surrada, provavelmente feito por mãos sofridas e também surradas. Estavam confortavelmente acomodados e sabiam que pouca coisa fora daquele metro quadrado - o banco de madeira, as mãos, as mães etc - poderia ser modificada. Estava frio e era necessário um mate. Em frente ao mirante da Av. Beiramar, o casal não se importava muito com o que acontecia ao seu redor a não ser o conforto do banco, o mate quente e os beijos molhados.

          Tudo transcorria bem. Parece-me, no entanto, que certos casais têm uma certa tendência à catástrofe. Podem, assim, despertar a ira de certos deuses em momentos inoportunos. Sentados naquele surrado banco, acompanhados de um bom chimarrão, o casal começou a relembrar do passado, das pretéritas experiências românticas, uma forma covarde de invocar o deus Khronos. Seria relembrar o passado o maior ato de desespero? Lembremos do presente...

         E essa história termina aqui. Pelo menos esse trecho. Os beijos e as trocas de carícias do casal foram interrompidas pelo castigo divino. Dizem que houve, entre eles, alguma desavença. Vá saber! Sobre o casal, aliás, nada mais sei. Fim.